PODER JUDICIÁRIO DECIDE SOBRE ASSÉDIO MORAL COM BASE EM TESE DO ADVOGADO BRUNO SCARPELINI VIEIRA, SÓCIO DA ASSUNÇÃO ADVOCACIA

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Em decisões publicadas nos processos 0000433-51.2012.5.01.0512 (Rio de Janeiro), 0002135-44.2013.5.02.0035 e 0002776-66.2012.5.02.0035 (São Paulo), foi utilizado texto disponível no site do Sindicato dos Bancários de Santos (http://www.santosbancarios.com.br/index.php…), de autoria de Bruno Scarpelini Vieira, sócio da Assunção Advocacia.

A seguir, íntegra do texto original:

ASSÉDIO MORAL INSTITUCIONAL BANCÁRIO

1. CONCEITO DE DANO – BASES LEGAIS.
“Dano” moral é o prejuízo que atinge o patrimônio psíquico, moral e intelectual de uma pessoa (CF/88, art. 5º, X), o qual consiste no equilíbrio psicológico, bem-estar, reputação e normalidade da vida, cujo desequilíbrio desanima, dói, assusta, angustia, e abate [1].
O assédio moral, como espécie de dano moral, é basicamente a conduta abusiva reiterada de natureza psicológica do empregador para com seu subordinado, por analogia do conceito de mobbing[1] (inglês, to mob = agredir), que define o comportamento agressivo de certos animais que cercam e amedrontam um membro do grupo, até afugentá-lo. Já os homens ofendem, depreciam, ampliam erros, abusam do poder, exigem em excesso – enfim, trocam o ideal de cooperação por parâmetros de mera competição.
O “psicoterror” [2] danifica os direitos de personalidade da vítima, pondo em perigo seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho, ao abrir mão do padrão ideal de humanidade. A violência contra o ser humano, travestida de “política da empresa”, traz danos de ordem existencial.
Nosso Estado Democrático de Direito tem por base a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF/88, art. 1º) e repudia expressamente o assédio moral, pois garante a inviolabilidade do direito à vida (CF/88, art. 5º, caput) e cuida da saúde do trabalhador (CF/88, arts. 6º e 7º). Além disso, nossa ordem econômica (CF/88, art. 170) visa assegurar a todos existência digna, impondo a valorização do trabalho humano, com base na defesa do meio-ambiente, nele compreendido o do trabalho (CF/88, art. 170, VI e art. 200, VIII) e é dever do Poder Público defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações (CF/88, art. 225).
Mas apesar da diretriz constitucional, ainda é modesta a legislação preventiva do assédio. Não há lei federal, apenas leis municipais regulando o tema no âmbito específico da Administração Pública, como a Lei Municipal 13.288/2002, da cidade de São Paulo, com penas de suspensão, multa ou demissão ao servidor responsabilizado por assédio moral [3].

2. A SITUAÇÃO DOS BANCÁRIOS – INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ASSÉDIO.
Até pouco tempo atrás, falar sobre assédio moral podia ser visto como exagero ou “frescura”.
Porém, a sociedade mudou, a tutela dos direitos da personalidade hoje é tida como um freio à brutalidade humana possível e a preocupação com o problema é mundial, daí a avalanche de publicações a respeito. Por isso, numa relação trabalhista, há que se cuidar dos interesses das pessoas envolvidas, não mais apenas do seu conteúdo traduzível em patrimônio.
O fenômeno ganha complexidade quando enfoca o trabalhador bancário, que foi o que mais sentiu os efeitos do enxugamento dos quadros das empresas e do afunilamento do mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos. Isto porque a mesma globalização que trouxe à Constituição Federal o princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III), de outro lado transformou a nossa economia, sendo o setor bancário aquele que (tecnologicamente falando) mais se modernizou. Um novo conceito de supervalorização do individualismo reestruturou as relações do trabalho. A globalização fez muito pela cultura, compartilhando irrestritamente as informações. Mas instalou a contradição entre as técnicas mais modernas de recursos humanos. Teorizam-se melhorias no ambiente corporativo, relações de trabalho mais equilibradas, criatividade e aproximação dos funcionários com a identidade mercadológica da empresa, mas pouco se faz na prática.
No contexto de uma agência bancária, o que se busca ao selecionar e avaliar funcionários é o “trabalhador produtivo”, aquele que ignora sua própria dor, atinge suas metas e é assim individualmente premiado por desempenho – como se a equipe fosse descartável para os resultados da empresa. O superindividualismo diminui as relações afetivas no local de trabalho, gera atrito entre chefes, subordinados e pares, e dá à luz o assédio moral.
A gestão de uma agência bancária hoje envolve pura e simplesmente impor e controlar metas de vendas, mês a mês, o que gera uma opressão infinita sobre todo o grupo de trabalhadores e desgasta também a relação do Banco com seus próprios clientes!
O reiterado comportamento abusivo degrada o ambiente de trabalho. A “pressão” repercute na vida privada do trabalhador, interfere na sua qualidade de vida e gera, em silêncio, desajustes sociais, transtornos psicológicos e doenças psíquicas, principalmente a depressão. A categoria bancária é campeã em registros de suicídio [4], devido a essa situação.
Se os bancários costumam conviver mais tempo entre si do que com suas próprias famílias, pergunta-se: seria isto uma “frescura”?
O que se percebe é que o desgaste profissional em geral passa despercebido pelo próprio empregado na rescisão seu contrato de trabalho (motivada, na verdade, pelo assédio moral). Até nossa jurisprudência refere exemplos mais gritantes, como xingamentos e humilhações públicas, quando o certo seria prevenir todas as formas de violência praticadas por um inimigo aparentemente sem rosto, disfarçado de “política da empresa”. São atitudes que propositalmente não constam do “código de ética” ou do “manual de procedimento interno” dos bancos. Ampliemos o conceito, indicando outras possíveis situações de assédio [5].
Imaginando o cotidiano do funcionário de agência bancária, cuja missão é amealhar mais e mais dinheiro para o banqueiro, podem ocorrer também, entre outras situações: a) imposição de horários injustificados; b) rigor excessivo; c) trabalho superior às forças do empregado (atribuição de metas dificílimas ou impossíveis de ser cumpridas); d) solicitação de trabalhos urgentes para depois jogá-los na gaveta ou no lixo; e) impor obrigação de realizar autocríticas em reuniões públicas; f) exposição ao ridículo (rol de empregados com menor produtividade) [6]; g) desqualificação ou críticas em público; h) descaso para com a saúde do trabalhador [7], ou divulgação de doenças e problemas pessoais; i) sugestão para pedido de demissão; j) instruções confusas; e k) referência a erros imaginários.
Também se destaca o puro e simples esvaziamento de funções (boicote de material necessário à prestação dos serviços, como automóvel, mesa de trabalho, equipe, etc.) [8], comum quando um banco é incorporado pelo outro: o pessoal da instituição “comprada” é preterido frente a seus novos colegas e sutilmente forçado a pedir demissão – não raro, uma estratégia do novo patrão para fugir dos salários mais altos antes praticados pelo banco incorporado.
Os bancos vivenciam mais o assédio justamente porque trabalham por metas e tem de responder ao mercado com rapidez [9], enquanto as empresas que trabalham com projetos tendem a dar mais tempo à maturação de idéias do funcionário. Por isso, notadamente entre os bancários, é comum que os colegas (temerosos ou indiretamente interessados no afastamento da vítima) endossem o assédio moral – que se torna assim um “assédio institucional”, por envolver a cultura de gestão da empresa [10]. Quando a política empresarial favorece o terror psicológico, todos os funcionários podem estar sofrendo este tipo de assédio.

3. A ORIGEM DO MAL – PERVERSÃO OU PERVERSIDADE?
Hoje, nos bancos, a venda de serviços e papéis de todo tipo, antes esporádica, facultativa e deixada a cargo daqueles com perfil para tanto, tornou-se a tarefa mais importante e as metas devem ser cumpridas sob ameaça de despedida [11].
Sendo o patrão um banco, além da fixação de metas inexeqüíveis, devemos lembrar também das condições físicas das agências e departamentos onde lotados os bancários (geralmente em número muito pequeno se comparados ao imenso universo de clientes a quem devem prestar satisfatório atendimento) para podermos constatar o drama de que é vítima esta categoria profissional, sob a constante ameaça de demissão ou de estagnação profissional:
De um lado, a empresa entende que um maior número de clientes pode consumir um maior número de seus produtos (inclusive cartões de crédito, seguros, capitalizações e um sem-número de outros modos de incrementar a receita advinda da intermediação financeira), e orienta toda a sua atividade no sentido de fazer com que tais vendas aconteçam na mesma proporção do número de clientes.
Do outro lado, o cliente entende que um banco (como prestador de serviço) existe para administrar da melhor maneira o seu patrimônio ou sua necessidade pontual de crédito, por meio da atuação de profissionais especializados – e só por este motivo é que o procura.
No meio deste conflito de interesses está o trabalhador bancário, cobrado a prestar o melhor atendimento pelo cliente e pressionado pelo patrão a encarnar o melhor dos vendedores – não só nas agências, mas inclusive nos departamentos internos.
No fim, desgasta-se a relação, a atuação e – pior – o próprio profissional. É a síndrome do esgotamento profissional, chamada “burnout” [12], decorrente do alto “stress” no trabalho.
Ora, os bancos pregam “liberdade” nas relações entre si e com o mercado, mas se contradizem ao explorar ilimitadamente seus subordinados, danificando-lhes a saúde. Isto porque, especialmente neste campo de vendas e prestação de serviços, a competição intensa estimulada pelos bancos dá uma conotação de “guerra” ao trabalho diário. Só que o stress despertado num guerreiro de verdade tem uma justificativa: a morte do inimigo. O soldado dispara seu fuzil contra um adversário real. Quanto ao gerente de contas do banco da esquina, a quem deve destruir: o concorrente, seu chefe ou seu presidente?… Ou seria o cliente?…
Assim, quando o banco estimula o “stress” para alcançar vitória sobre a concorrência, promove uma perigosa descarga do hormônio adrenalina, sem que se possa satisfazer a agressividade desencadeada – o que não faz sentido e ainda extrapola o contrato de trabalho, já que o empregado não vai fugir nem atacar, e muito menos é um guerreiro!
Uma gestão que ignore os limites humanos produz o que a Psicanálise chama perversão [13]: um ambiente psicologicamente doente, moralmente permissivo, que banaliza a maldade e tolera atitudes grosseiras, numa postura que contraria a razão de ser do Direito do Trabalho.
E o quadro persistirá, a despeito da regra constitucional, até que, ao menos na esfera jurídica, passemos a combater ostensivamente o desrespeito aos direitos da personalidade. Enquanto isso não acontece, o próprio padrão de humanidade é nivelado por baixo, com portas abertas à mencionada banalização do mal. A vítima pode acabar sendo o próprio sistema bancário, que deveria ver no fator humano o seu maior capital [14].
O que se espera então é que, por atuação maciça dos operadores do Direito, cedo ou tarde os bancos procurem eles mesmos se desvencilhar de políticas de gestão empresarial calcadas neste paradigma de “produtividade” como quantidade – e não qualidade – como se o trabalhador fosse uma coisa, um robô, e não uma pessoa.

4. CARACTERIZANDO O ASSÉDIO MORAL.
Como a lei ainda está construindo a definição do assédio, fixemos limites para caracterizá-lo. Rodolpho Pamplona Filho [15] nos ensina três elementos principais: 1) o abuso de direito; 2) a natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; e 3) a reiteração da conduta.
Quanto ao primeiro, o Código Civil diz que todo abuso de direito é ato ilícito (art. 187) e atrai a repressão da lei. Assim, quando o empregador justifica a conduta abusiva de seu preposto como exercício normal do poder de direção, extrapola os limites do aceitável no campo do convívio humano e do contrato de trabalho, pois o que se deveria estimular são os laços de cooperação mútua no ambiente de trabalho.
O segundo elemento é particularmente importante, porque nele se baseia o quantum da reparação eventualmente pretendida em juízo. Não há necessidade de que o obreiro venha efetivamente a ser vítima e suporte alguma violência. Basta a exposição, pois o dano moral se caracteriza pela própria situação de risco, medo, receio, etc [16]. Cabe dizer ainda que o medo, a tensão, a angústia, não deveriam depender de prova, pois são lesões da própria alma, que ocasionam sofrimento íntimo [17].
Quanto ao terceiro elemento, a ofensa que configura o assédio moral depende, em regra, de que a conduta do agressor seja contínua. Difícil concebê-lo como algo eventual ou esporádico – embora não impossível – pois um ato isolado não poderia provocar uma “doença social”. Não que o dano decorrente de único ato ofensivo não mereça reparação. Mas neste caso não há assédio moral, mas sim o dano moral “puro” (é fundamental delimitar muito bem cada campo, para impedir o esvaziamento do conceito).
O mesmo professor aponta ainda um quarto elemento – a manifestação expressa com finalidade de excluir a vítima do ambiente de trabalho [18] – do qual discordamos, porque no caso específico das relações de mando entre bancários, muitas vezes a intenção declarada ao público é diametralmente oposta, e este quarto elemento só vai ser revelado quando do confronto dos fatos já na esfera judicial. Um exemplo óbvio são as campanhas motivacionais de vendas que eletrizam o meio bancário, notadamente os funcionários de agências (“pontos-de-venda”). Para motivar o trabalhador a alcançar as metas, premia-se os melhores, às vezes ocorrendo de se expor ao ridículo os retardatários – caso clássico da jurisprudência. E quanto ao trabalhador que cumpre – sim – as metas, mês a mês, a cada “campanha”, à custa do convívio familiar e da própria saúde? Esforça-se por uma promoção que nunca vem, ou simplesmente para proteger seu cargo (ou o emprego) de outro “colaborador” mais jovem ou preparado. O tempo passa e este trabalhador vai revelando sintomas de depressão, contra os quais luta – pois incorporou a ideologia da empresa e não quer passar por “fraco” ou “fresco”. Até o dia em que é “encostado” – ou simplesmente demitido – porque não agüenta mais manter aquele ritmo de “produção” que o banco acostumou-se a esperar dele. Neste caso – mais comum do que se supõe – não houve intenção de excluir o funcionário, sequer houve um única agressão direta. Ao contrário, é referido como exemplo positivo de conduta. Mas como dizer que não foi vítima do assédio moral?
Um último elemento caracterizador do assédio moral seria o imprescindível dano psíquico-emocional da vítima [19], visto como conseqüência natural da violação ao direito de personalidade, a ser comprovado por meio de perícia quanto ao nexo causal. Novamente se discorda, pois o que o dano caracteriza é a responsabilidade civil decorrente da conduta que o gerou, não o assédio moral. Além disso, embora muitas vezes venha do assédio, tal abalo psíquico nem sempre ocorre. Basta a violação do direito da personalidade, a ser provada em juízo, porque a prevenção ao assédio moral visa justamente evitar a materialização da doença!

5. CRITÉRIOS DE REPARAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS PARA AS PARTES.
A reparação do dano moral tem natureza civil de responsabilidade objetiva: basta constatar o nexo causal entre fato e dano, no ambiente de trabalho, para pedir a reparação.
Isto porque o risco da atividade econômica é do empregador (CLT, art. 3º), de modo que a CLT (art. 8º, § único) acompanha o Código Civil (arts. 932, III, e 933) e responsabiliza o empregador por atos de seus prepostos, no exercício do trabalho ou em razão dele, ainda que não haja culpa de sua parte. Assim, deixou de valer o antigo conceito (STF, Súmula 341) de que um ato causado por empregado no exercício do trabalho ensejaria culpa presumida do empregador, pois diante do Código de Defesa do Consumidor e do Novo Código Civil, agora se fala em responsabilidade civil objetiva nestes casos, quem quer que seja a vítima [20].
A lei também protege o patrão de uma possível lesão injustificada, por meio do direito de regresso (CC, art. 934) e do desconto de salários (CLT, art. 462). Mas entendemos que seria mais justo que também no caso de assédio moral o patrão tivesse de comprovar o ânimo de seu preposto (por analogia da CLT, art. 462, § 1º), porque a reparação do dano moral extrapola a esfera do indivíduo e satisfaz toda a sociedade, pois são agredidos a dignidade da pessoa humana (bem irrenunciável) e o meio-ambiente de trabalho (bem comum, de interesse público). Havendo dificuldade na prova, revelado estaria o alinhamento da conduta do preposto com os objetivos da empresa!
Fora do âmbito judicial, o assédio moral traz conseqüências diferentes conforme a perspectiva do sujeito envolvido, mas que afetam: 1) o empregado assediado; 2) seu colega e algoz; e também 3) a empresa empregadora.
Os piores efeitos recaem sobre a vítima, cujo rendimento é prejudicado devido à pressão psicológica, mas sua intimidade também é afetada de outras maneiras, desde os comentários de colegas, passando por eventual auditoria até a aberta represália: a promoção recusada, a transferência injustificada, a demissão. O assédio é assim um trauma cujas seqüelas físicas e psicológicas podem marcar indefinidamente a vida da pessoa, com necessidade de acompanhamento médico/psicológico.
A CLT já contemplava a hipótese como despedida indireta do trabalhador (art. 483, alíneas “c” e “e”). Mas infelizmente isso não foi suficiente para prevenir o dano. A CLT chegou a antever a situação extremamente delicada em que o obreiro desiste do emprego – sua única fonte de recursos – por não suportar mais os abusos do patrão. Mas isso só se dá quando o ambiente de trabalho já se degradou por completo…
Para reparar o dano, a lei permitiu uma compensação pecuniária que amenize a dor da vítima. Mas há outras possíveis, como a retratação pública, pois a violência atinge a esfera extra-patrimonial e o conceito de dignidade não pode ser monetariamente traduzido. Mas quando um Banco protagoniza violação ao direito de seu subordinado, a Justiça do Trabalho tem visto na reparação civil por indenização pecuniária [21] o meio mais eficaz para compensar um dano que é, na verdade, irreparável. Arbritar o “quantum” devido em casos envolvendo instituições financeiras talvez seja a parte mais difícil numa ação indenizatória desta natureza, porque o ordenamento jurídico não define uma tabela e a dor moral não tem preço…
Quanto à pessoa do agressor, a lei contempla sua punição nas esferas: a) trabalhista, na justa causa (CLT, art. 482, “j”); b) civil, pela responsabilidade patrimonial direta pelo dano causado (CLT, art. 462, § 1º); e c) criminal (sanções diversas conforme o tipo). Mas responsabilizar apenas o preposto é solução “paliativa” que não ataca a raiz do problema. Pois quando o gerente-geral de uma agência bancária leva seus subordinados ao esgotamento, no mais das vezes ele próprio também já está esgotado, inconscientemente premido pela “política da empresa” e dominado por sua ideologia desumana – eis a verdadeira causa de toda a tragédia. Claro que isto não justifica o assédio moral, mas ao menos o explica.
O ponto-de-vista dos bancos é o menos defensável. Eles parecem ignorar que além do prejuízo evidente de ter de responder com seu patrimônio às condenações judiciais, o assédio ainda lhe traz outras formas de prejuízo que afetam a própria organização empresarial. Rodolfo Pamplona Filho [22] enumera três conseqüências pecuniárias diretas: a) o custo das faltas ao trabalho (primeira solução adotada pelo trabalhador que se sinta desprotegido – trazendo insatisfação aos clientes e ressentimento aos próprios funcionários, cujas atividades são interdependentes, fora o agravamento do quadro quando a somatização das apreensões vividas pelo bancário justifiquem seu afastamento por licença médica, com suspensão do contrato de trabalho); b) a queda de produtividade (se um único caso de assédio moral já diminui a expectativa de ganho do empregador, que dizer da possível queda geral de produtividade, principalmente entre funcionários com situação semelhante à da vítima, ante a sensação de insegurança no meio-ambiente de trabalho?); e c) a rotatividade da mão-de-obra (além do pagamento das verbas devidas, há a despesa não prevista em face do necessário treinamento de novos trabalhadores para a função antes exercida pelo empregado desligado ou afastado).
Portanto, mesmo em menor escala, também os bancos são vitimados por uma política de gestão empresarial equivocada, que lhes afeta a produtividade. Fazer “vista grossa” para o assédio moral põe em xeque a política de “produtividade” até aqui tão valorizada, onerando excessivamente a empresa, numa relação custo-benefício deficitária, principalmente numa economia globalizada.

6. CONCLUSÃO. NOVOS RUMOS.
Concluímos que o problema social desencadeado pelo assédio moral entre bancários deve-se ao enfoque equivocado dos bancos quanto às suas estratégias de gestão. Toda a questão deveria resolver-se no conceito de função social da empresa (decorrente do princípio da função social da propriedade), estabelecido pela Constituição Federal e que alterou o perfil político, econômico e ideológico do Estado brasileiro. Foram positivados vários princípios antes inexpressivos, e a antiga preferência à proteção patrimonial individual deu lugar à supremacia do indivíduo [23] e de seu valor perante a sociedade.
Cabe às empresas a geração de empregos, o recolhimento de tributos e – principalmente aos bancos – a própria movimentação da economia. Sua função social será alcançada quando, além de cumprir referidos papéis, observarem os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), do valor social do trabalho (art. 1°, IV), da solidariedade (art. 3°, I), da justiça social (art. 170, caput), da busca do pleno emprego (art. 170, VIII), entre outros.
E o Direito do Trabalho também visa realizar esta função social, pois cremos que o indivíduo desenvolve plenamente sua personalidade quando valoriza o trabalho.
Por isso, o meio mais eficaz de combater o assédio moral é preveni-lo – o que só é possível se os bancos sentem a conveniência de incorporar os valores da lei às suas políticas comerciais, seja pelo vulto dos desembolsos por indenizações às vítimas ou porque o gasto de tempo e pessoal represente um valor econômico considerável.
Adotar medidas de prevenção ao assédio moral significa promover a educação (ex: campanhas que esclareçam que o assédio moral é uma doença social ou manuais onde conste que certas “liberdades” não podem ser tolerados no ambiente de trabalho [24], de modo a impedir eventuais alegações dos assediadores de desconhecimento às restrições da conduta adotada) e a fiscalização (a ser exercida diretamente pelo empregador, mas nada impede seja supervisionada pelo Estado, e mesmo a própria vítima pode ter um papel ativo na advertência ao assediador), pois como há deterioração do relacionamento entre as pessoas e a imagem da empresa e dos protagonistas do caso, comprometendo a atividade empresarial (afetando custos, vendas, despesas, etc), parece óbvio que o maior interessado em combater o assédio seja o próprio empregador. Até por ser uma prerrogativa do seu poder de direção, a atividade de fiscalização pode ser atribuída a prepostos específicos da empresa.
Enquanto a lei trabalhista não cuida especificamente de regular o assédio moral, cabe aos operadores do Direito comprometidos com seu enfrentamento fazer uso, além de todos os dispositivos legais já, também dos seguintes, por exemplo: a) Lei nº 9.029/95, aplicável aos atos discriminatórios no ambiente de trabalho; b) CPC, art. 332, para que se admita todo meio de prova; c) Novo Código Civil, arts. 186, 187, 214, 223, 225 e 927, que trazem regra expressa; d) CLT, arts. 373-A (proíbe a discriminação), 482, alíneas b e j, 483, e, e 652, IV (figuras de justa causa e rescisão indireta); e) CP, art. 216-A (analogia do assédio sexual).
De concreto, a indenização não deve servir para enriquecer a vítima nem para quebrar a empresa, ao mesmo tempo em que tem de servir como instrumento pedagógico para que a empresa não mais viole a dignidade de outros trabalhadores. Registre-se apenas que a dor moral (leia-se: o brio, o amor-próprio) não tem preço para o homem de bem – e aí o papel do Poder Judiciário de tentar confortar a vítima pela certeza de que o causador do dano foi punido, e de que a lição pode servir para que outros não vivam o mesmo drama. É a “teoria da exemplaridade” [25] aplicada à reparação por danos morais.
Como no Brasil de hoje os bancos ostentam uma capacidade financeira indiscutível, é claro que uma condenação em valor módico não causa nenhum efeito pedagógico. Assim, a condenação de um banco deve atender não apenas ao anseio de justiça do cidadão, mas da sociedade como um todo, neste mundo moderno onde a corrida pelo lucro tende a fazer do homem um número frio e abstrato, e onde a ética e a moral algumas vezes passam ao largo das relações negociais e trabalhistas.
É empolgante o caminho que temos pela frente!

6. NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
[1] FERREIRA, Roberto Schaan. O dano e o tempo: responsabilidade civil. Revista de Estudos Jurídicos, v.25, n.64, 1992
[2] KONRAD LORENZ, citado por SILNEY ALVES TADEU. Assédio psicológico no ambiente de trabalho. Revista do Direito Trabalhista. Ano 12. Nº 12. Ed. Consulex. São Paulo. 2006.
[3] “Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços”.
[4] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Dano moral nas relações de trabalho. Revista do Direito Trabalhista. Ano 12. Nº 12. Ed. Consulex. São Paulo. 2006.
[5] PAROSKI, Mauro Vasni. Assédio moral no trabalho. Disponível no Jus Navigandi: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9021>.
[6] Vide ementas do Acórdão 00335-2005-611-04-00-1 RO – TRT 4ª Região – Relatora Juíza Maria Helena Mallmann – DJRS 22.06.2006 e do Acórdão 06689-2001-652-09-00-4 – (10113-2004) – TRT 9ª Região – Relatora Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJPR 28.05.2004.
[7] Vide ementas do Acórdão 20060126684 – TRT 2ª Região – Relator Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DOESP 17.03.2006 e do Acórdão 0625-2001-021-15-00-0 – (4981/06) – TRT 15ª Região – Relator Juiz Flavio Nunes Campos – DOESP 10.02.2006.
[8] Vide ementa do Acórdão RO 1142.2001.006.17.00-9 – TRT 17ª Região – Relator Juiz José Carlos Rizk.
[9] Vide ementa do Acórdão RO 00267-2007-009-17-00-6 – TRT 17ª Região – Relator Desembargador Cláudio Armando Couce de Menezes.
[10] CALVO, Adriana. O assédio moral institucional e a dignidade da pessoa humana. Disponível em www.calvo.pro.br.
[11] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2ª ed. Ed. Ltr. São Paulo. 2005.
[12] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Obra citada.
[13] LACAN, Jacques, citado por CARNEIRO, Carlos Frederico Fiorino, Juiz do Trabalho prolator da sentença no Processo AT 00907-2005-008-12-00-7, que tramitou na Vara do Trabalho de Concórdia, SC.
[14] SOROS, George, citado por BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Ed. Sextante. Rio de Janeiro. 2002.
[15] Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Disponível no Jus Navigandi: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8838>.
[16] Vide ementa do Acórdão 23.396/03 – Processo 00323-2002-091-09-00-6 – TRT 9ª Região – Relator Juiz Celio Horst Waldraff – DJPR 24.10.03.
[17] Vide ementa do Acórdão RO 01393/2001-000-24-00-7 – TRT 24ª Região – Relator Designado Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior – DOMS 12.09.2002.
[18] PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Obra citada.
[19] NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. Assédio moral no ambiente do trabalho. Revista LTR, vol. 68, nº 08. São Paulo. 2004.
[20] VENOSA, Silvio de Salvo. Responsabilidade Civil. Ed. Atlas. São Paulo. 2006.
[21] Vide ementas do Acórdão RO 00163-2004-316-02-00 – (20060496945) – TRT 2ª Região – Relatora Juíza Rosa Maria Villa – DOESP 18.07.2006 e do Acórdão RO 01661-2002-315-02-00 – (20050920825) – TRT 2ª Região – Relator Juiz Rafael E. Pugliese Ribeiro – DOESP 10.02.2006.
[22] Obra citada.
[23] PEREIRA, Rafael Vasconcellos de Araújo. Função social da empresa. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/88/1988/>.
[24] Vide ementa do Acórdão RO 00804-2004-019-09-00-6 – (17365-2005) – TRT 9ª Região – Relator Juiz Arnor Lima Neto – DJPR 12.07.2005.
[25] MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral trabalhista. Ed. Atlas. São Paulo. 2007

Monografia desenvolvida sob orientação do Professor Marco Antônio S. de Macedo para obtenção do grau de especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho no curso de pós-graduação lato sensu concluído perante o Centro Universitário Salesiano de São Paulo em junho de 2008.

Bruno Scarpelini Vieira, advogado trabalhista, graduou-se em Direito pela Universidade Estadual Paulista em dezembro de 1999 e é sócio do escritório Assunção Advocacia desde janeiro de 2009.

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